quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Senhorinha

.
Não deixe-a cair.


ossos frágeis e trêmulos
entortam a rosa murcha
de novena e devoção

veias trançadas ao caule
seiva de promessas
avessa à calma

Não deixe-a cair.

espinhos beijam a pele
franzida e esculpem
ansiedade em folheado

manto de ouro encobre
o desespero pálido
de milagres perdidos

Não deixe-a cair.

fiéis queimam ao meio-dia
procurando suas causas
nas esquinas de um santo

o Cosme está mais velho

da janela do 570
paro, olho a romaria
e espero

Não deixe-me cair,
Senhorinha.
.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

coqueluche

.
ao cansar
o chumbo
nos olhos,
encolho o queixo
e me esqueço
dentro do seu
elixir
.

domingo, 19 de outubro de 2008

caducidade precoce

.
de: Manoel
para: Benjamin

com a míngua da áurea,
eu obrei.




terça-feira, 14 de outubro de 2008

mola

.
ainda guardo nos bolsos
o gosto do banho lilás
depois da coceira

nas mangas o veludo
tímido do teatro
o jazz nos sapatos

a voz dos pés sobre
a estrada cantando
galochas e balas

depois do almoço,
cafuné e dormideira

quero borboletas
na meia-calça
elástico no umbigo
suspensório sorrindo

nas mãos,
mímica
e tinta

acordo o cheiro
do Verona azul
para no porta-luvas
esconder o tempo

e contar as estrelas
do teto solar
.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Dia do adulto

um bilhete amarelo com letra de adulto dizia:
salve o dia das crianças!
embrulho com fita
e dentro memória
de quatro giga:
para guardar as formalidades do mestrado.

outro embrulho, sem fita

espero que sobre algum espaço para salvar o dia.

domingo, 12 de outubro de 2008

diminutivo inflável

eis que não é mais
senhora deste corpo
estende a estadia
e destrói
assombra.

massa que gruda
nos dentes, crava
fuligem escrota
no bronze da carne,
cárie crônica.

erva daninha
enverga teu
diminutivo inflável
vela tua úlcera
no avesso da bolha
e leva teu visco
daqui!

mergulha no pus
que te entope
entende que
agora é amorfa
se afoga no mofo
e aspira teus
ácaros de nós.

golfa e engasga
no sofisma
dos efes
não és elfa,
flagelo fútil
teu cinismo
enfada-me,
és nada.

tire teus átomos
mortos do trilho
não há mais
cartas para ti.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

no elevador

estou presa. não há nada pra ler a não ser uma plaquinha com letras minúsculas gritando: segundo a lei 21.039 apenas o chapeleiro tem a chave mestra. estou prestes a virar poço. suo fobia e bóio fundo. olho entre as frestas do metal e enferrujo, só me resta o espelho imundo. nas imperfeições da poeira, ouço um coelho a repetir: a metafísica é oca, a metafísica é oca. interfone mudo, botões surdos. espero, conto até vinte. no canto, uma sacola de drogaria perdida e dentro uma pílula, do dia seguinte. rosa choque, não hesito, junto saliva, engulo. é como dançar fábulas amanhã. adormeço, sonho com trompas, copas e avós sofridas. acordo Alice no sétimo desandar.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

engarrafada

listras onduladas
a girar sobre o asfalto
o funil esfola
ao meio-dia,
escorre a pressa.
apitos tossem
estupidez aguda,
passos vermelhos
emulam sirene
rumo ao palácio,
tudo parado.
túnel,
marcha.
elmos de agulha
a gritar entre altos,
enquanto as buzinas
dançam o caos.